quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Sobre a vivissecção

Pessoal, 


Ontem rolou uma Audiência Pública na Assembléia Legislativa de São Paulo (ALESP) a fim de discutir alterações na legislação quanto às intervenções invasivas em organismos vivos para fins didático-pedagógicos – mais conhecidas como vivissecção.

Para aclarar o debate, resolvi escrever este post, sem entrar no questionamento acerca da possibilidade de animais sentirem dor - isso já foi comprovado em pesquisas científicas, como por exemplo, o trabalho do pesquisador Joseph Garner, da Universidade de Purdue, na Noruega, que acompanhou peixinhos dourados e demonstrou que eles sentiam dor conscientemente – e não apenas como reflexo, como se acreditava. Nesse estudo, eram aplicadas injeções salinas em alguns peixes que refletiam um grau doloroso de calor. Após a aplicação, Garner identificou nos peixes um “comportamento de medo e evasão”. Segundo ele, essa reação é cognitiva e não resultante de reflexos. Os demais peixes, depois de receber uma injeção de morfina que bloqueava a dor, não mostraram esse comportamento.

Outros pesquisadores como Smith & Boyd apontaram que todos os mamíferos podem sentir algo semelhante à dor e ao prazer humano, embora qualitativa e quantitativamente diferente, devido às semelhanças anatômicas e fisiológicas básicas do sistema nervoso, compartilhadas por todos os vertebrados (leia-se: peixes, aves, répteis e mamíferos). 

Ainda assim, em diversas universidades e institutos laboratoriais os animais vivos são utilizados nos mais diversos testes (drogas, cosméticos, produtos de limpeza e higiene), práticas médicas (treinamento cirúrgico, transplante de órgãos), experimentos na área de psicologia (privação materna, indução de estresse), experimentos armamentistas/militares (armas químicas), testes de toxicidade alcoólica e tabaco, dissecação, etc...

Neste sentido, tem-se buscado a alteração de algumas Leis e edição de outras no intuito de se preservar os direitos animais, conforme decisão em assembléia da UNESCO de Bruxelas, em janeiro de 1978. 

Infelizmente, ainda é consenso científico que a maioria dos testes feitos em animais é absolutamente necessário já que, teoricamente, ainda não existem modelos precisos que levem em conta toda a complexidade bioquímica animal e que sejam capazes de substituir o uso de animais, motivo pelo qual os laboratórios devem adequar seus testes sob rígidos códigos de bioética (o que não acontece no mundo real...).

Os defensores da vivissecção consideram que os benefícios alcançados com o uso de animais em pesquisas justificam-se pelos resultados obtidos, principalmente em pesquisas médicas.

Já para os abolicionistas, o ser humano não teria o direito de decidir sobre a vida dos animais. Defendem ainda o fim do uso destes em pesquisas de qualquer tipo, uma vez que já existem alternativas viáveis como simulações matemáticas, modelos computadorizados, robótica e culturas celulares, já plenamente desenvolvidas para tal finalidade.

Na legislação vigente também existe a contradição, uma vez que a Lei de Crimes Ambientais nº 9.605/98 prevê pena a tais práticas em seu artigo 32, abaixo:

“Art. 32 – Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos;
§ 2º - a pena será aumentada de um sexto a um terço, se ocorre a morte do animal.”


Para Laerte Fernando Levai, autor do livro “ Direito dos animais”  este dispositivo legal admite a existência da crueldade implícita na atividade experimental sobre animais, tanto traça a ressalva, no parágrafo primeiro, acerca da existência de recursos alternativos.

Assim, a Lei 9.605, passa a proibir expressamente a experimentação, ainda que para fins didáticos, quando existirem métodos alternativos (e eles existem!!!)

Em contraposição à Lei de Crimes Ambientais, entretanto, já havia a Lei 6.638 de 1979, revogada pela nova Lei nº 11794 de 2008 apesar de ter trocado as palavras (vivissecção por utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica – que significam a mesma coisa), prevê normas para a prática permitindo-a em todo território nacional através de seu artigo primeiro, abaixo:

“Art. 1o  A criação e a utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica, em todo o território nacional, obedece aos critérios estabelecidos nesta Lei.
§ 1o  A utilização de animais em atividades educacionais fica restrita a:
I – estabelecimentos de ensino superior;
II – estabelecimentos de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica.
§ 2o  São consideradas como atividades de pesquisa científica todas aquelas relacionadas com ciência básica, ciência aplicada, desenvolvimento tecnológico, produção e controle da qualidade de drogas, medicamentos, alimentos, imunobiológicos, instrumentos, ou quaisquer outros testados em animais, conforme definido em regulamento próprio.
§ 3o  Não são consideradas como atividades de pesquisa as práticas zootécnicas relacionadas à agropecuária.”

Para fiscalizar tais práticas, a mesma Lei criou ainda o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), cuja competência (entre outras), seria “formular e zelar pelo cumprimento das normas relativas à utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica” (art. 5º, I da Lei 11794).

E pergunta que não quer calar é: utilização humanitária de animais??? Caro legislador, de onde você tirou tamanha balela?

Assim que soubermos das decisões da Audiência, postamos aqui!

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